Em 1923 a escritora inglesa Virginia Woolf (Nicole Kidman) busca inspiração para começar sua nova obra enquanto aguarda a visita de sua irmã, Nessa (Miranda Richardson). No início da década de 1950, uma dona de casa exemplar, Laura Brown (Julianne Moore), divide seu tempo entre a preparação de um bolo de aniversário para seu marido, a atenção ao seu filho e a leitura de um livro. Já em 2001, uma editora nova-iorquina, Clarissa Vaughn (Meryl Streep), prepara uma festa em homenagem a seu amigo, Richard (Ed Harris), escritor agraciado com um importante premio literário, e portador do vírus HIV. Essas três histórias distintas transcorrem durante as horas de um único dia e não teriam nada de especial, não fosse por um ponto em comum: Mrs. Dalloway. Esse é o nome do livro que Virginia começa a escrever – o mesmo que Laura está lendo anos mais tarde – e também é o apelido dado por Richard a Clarissa (inspirado na protagonista da história). Nele, Woolf fala do vazio da existência humana. Como a Clarissa Dalloway criada por ela – que durante um dia inteiro relembra fatos marcantes de seu passado enquanto aguarda os convidados para mais uma de suas festas – as protagonistas aqui também buscam enganar-se, inventando tarefas muitas vezes desnecessárias, para que isso desvie seus pensamentos da angústia de uma vida sem esperanças e perspectivas.
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Apesar de suas raízes literárias, não é necessário conhecer a obra de Virginia Woolf para entender perfeitamente a trama do filme. Adaptado do livro homônimo escrito por Michael Cunningham e ganhador do prêmio Pulitzer, o roteiro é bem estruturado e intercala as três linhas narrativas com perfeição. Existem também características próprias a cada uma delas: na de Virginia, por exemplo, o interesse recaí sobre o papel criador da escritora, suas crises e suas angústias durante a produção de sua obra, assemelhando-se às muitas cinebiografias que vemos freqüentemente. Já na segunda, Laura Brow concentra em si o suspense de uma personagem ainda indecisa sobre suas escolhas e que mantém seu segredo o mais distante possível do espectador, de forma a conduzi-lo através dos fatos, entregando-lhe, vez que outra, uma pista que possa esclarecer os objetivos da personagem. Dramaticamente isso mantém a tensão que permeia o filme. Já a história de Clarissa é – sem pretender diminuir a qualidade artística do roteiro – o drama mais comum no tipo de cinema realizado atualmente: uma personagem que não aceita sua condição inicial, por um desconforto que ela não quer perceber, e que se debate constantemente, fazendo uma “jornada” pessoal, até voltar ao ponto inicial, mas desta vez com um amadurecimento que a faz perceber algo que antes não via. Mesmo com características narrativas tão distintas, essas três histórias são conectadas pelo sentimento de inadequação à vida que permeia toda a obra. Por isso a presença da morte é tão forte no filme. Por isso, também, todos ali estão nos seus limites de autodescobertas e loucura.
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A trilha sonora, composta por Philip Glass, parece contemplar a melancolia e as incertezas dos personagens. A Direção de Stephen Daldry conduz tudo de um modo competente e sincero, sem os sentimentalismos do seu trabalho anterior, Billy Elliot. Mas é no elenco que o filme tem seu maior trunfo: Meryl Streep tem uma interpretação tão intensa e tão forte que provavelmente é a imagem dela que você levará consigo depois de terminada a sessão. Julianne Moore numa atuação sutil e comovente, reforça a ambigüidade de sua personagem. Nicole Kidman, vivendo Virginia, com nariz postiço e peruca, caprichou no sotaque britânico, na rouquidão da voz e no modo cambaleante de caminhar, mas perdeu um pouco da força dramática ao se cercar de tanta técnica. Ainda assim, foi premiada com o Oscar na categoria de melhor atriz. Ed. Harris também está brilhante. Sua interpretação é sóbria e em momento algum descamba para a caricatura ou para a pieguice.
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Embora lide com temas conturbados, As Horas sobressai-se facilmente entre as meras produções melodramáticas, pois é um filme maduro e honesto, que mantém a profundidade dos assuntos que aborda sem ser maçante, renovando o interesse do espectador a todo o momento e mantendo um ritmo que possibilita a reflexão. Nessa investigação de como os livros podem repercutir nas vidas e escolhas dos seus leitores, As Horas mostra que para viver neste mundo, seja em que época for, é necessário muita coragem. Coragem para encontrar a força e a beleza da vida. E que esta, mesmo sendo a tarefa mais difícil, é também a que mais se aproxima do que chamamos de felicidade.
Diones Camargo
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